Sobre ser feminista e não odiar os homens

Esta é uma carta aberta a todos os homens com sensibilidade e inteligência suficientes pra abrir esse link – e pra querer entender um pouco mais sobre quem nós somos, e ir além desse cruel senso comum que repete incansavelmente que feministas não transam, que odeiam os homens e tudo o que lhes diz respeito. E as que não os odeiam, querem imitá-los.

E quando digo “nós”, refiro-me a todas aquelas que, como eu, compreendem o verdadeiro sentido desse movimento de igualdade e, atrevo-me a dizer, união dos sexos. Aquelas que compreendem que é preciso lutar, é preciso afirmar-se e é preciso evoluir, mas, nem de longe, é preciso perpetuar a cultura de antagonismo de gêneros.

E começo dizendo, categoricamente, com a guarda baixa e a bandeira branca fincada neste coração feminista, que eu não odeio vocês. Acho-os, inclusive, figuras interessantíssimas e admiráveis. Algumas das pessoas mais importantes da minha vida são homens. Foi um homem que me ensinou a andar de bicicleta e me ajudou a dar os primeiros passos.

Tenho amigos homens que não trocaria por nada neste mundo. Que compreendem e respeitam o meu feminismo. Que me fazem ainda admirar os homens em um mundo em que uma mulher é estuprada a cada doze segundos – por um homem.

Escolhi também um homem pra dividir a cama, talvez pelo resto dos meus dias. Esse homem me entende e me faz carinho até eu dormir. Este homem respeita a minha liberdade e me deixa confortável pra ser quem eu sou. Então, eu estou convencida de que existem homens absolutamente espetaculares.

Antes que eu esqueça: eu me sinto atraída por vocês, também. Eu nunca entendi muito bem porque o meu desejo de ter os mesmos direitos que os homens pode significar, para algumas pessoas, a minha suposta falta de desejo sexual por eles – entendem que essas duas coisas não se excluem? Por isso, sim, as feministas transam – elas só não agem como se suas vidas dependessem disso.

Eu não odeio vocês porque acho que o extremismo, embora compreensível, não é justificável. Compreensível porque qualquer pessoa tem o direito de odiar seu algoz – mas este não é o caminho mais inteligente, entende? É compreensível que uma mulher que apanha todos os dias do seu marido – ou que vê as mulheres de sua família sofrendo algum tipo de violência – odeie o patriarcado. Isto dispensa explanações. Mas digo, com mais alívio que certeza, que estamos aprendendo, lentamente, que nossa luta não se resume em odiá-los. Estamos aprendendo a cuidar de nossas feridas – há anos inflamadas, diga-se de passagem – sem, para isto, provocar-lhes feridas que só perpetuarão esta guerra que tanto nos faz mal.

Eu não odeio meu pai. Não odeio meu irmão, meus amigos. Não odeio o vendedor de picolé que passa debaixo da minha janela todos os dias, nem o atendente do banco, nem o rapagote que senta do meu lado no trabalho. Eu odeio a repressão. O preconceito velado que alguns de vocês ainda insistem em cultivar. Eu odeio essa maldita cultura machista que ainda faz com que muitos de vocês acreditem que não podemos expressar nossa sexualidade como quisermos – sem sequer se darem conta do quão mal fazem com isto.

Além de não odiá-los, garanto, está longe das minhas pretensões dominar vocês. Aliás, a dominação é justamente aquilo que nós não queremos. Nós só queremos que o mundo compreenda que temos o direito de fazer sexo quando quisermos e de não fazê-lo quando não quisermos. E que somos capazes de desenvolver diversas funções ditas masculinas. E que somos donas de nós mesmas e ninguém pode querer contrariar isso. Como vocês também devem, e podem, fazer o mesmo.

Nós não queremos um mundo sem homens – queremos um mundo sem machismo. Onde sejamos compreendidas, aceitas e amadas, assim como amamos os homens de nossas vidas. Queremos ser livres para amar vocês sem os empecilhos impostos por uma cultura machista que ainda é perpetuada por homens e mulheres. Amá-los indistintamente, sem ter que classificá-los entre homens dignos e indignos de amor. Homens que nos respeitam e homens que nos oprimem. Queremos um mundo em que compreendam que querer o nosso espaço não significa odiá-los. Porque não odiamos. O feminismo não odeia os homens e quem lhes disser o contrário, acredite, não faz a menor idéia do verdadeiro significado disto. Nós não os odiamos. Então, por gentileza: não nos odeiem, também. Sejamos unidos, só.

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