O especialista

Desde pequeno que eu sempre quis ser especialista em alguma coisa. Já tentei várias. Eu gosto muito de animais, então quando tinha uns dez anos, decorei os nomes científicos de dezenas de animais. Sabia o habitar, o que comiam, sabia como identificar uma cobra venenosa pelas narinas ou como evitar um ataque de urso. Eu sabia tudo sobre animais. Eu achava que sabia tudo. Até que um dia conheci um menino que sabia muito mais que eu. A família dele era de veterinários, e ele sabia até como pegar uma cobra ou como fazer um parto de vaca. Essa foi a primeira vez que eu falhei em ser um especialista.

Mais tarde, lia todas as revistas em quadrinhos. X-Men, Hulk, eu lia tudo. Sabia nomes, aniversários, sabia em que edição o vilão tal apareceu. Até que descobri que meus amigos não só sabiam tudo isso como compravam as revistas americanas, e também sabiam de tudo de quadrinhos de fora do Brasil. E mais uma vez, eu era quase um especialista. A partir daí foram vários temas que eu pensei dominar completamente e ser um expert, mas sempre era sobrepujado por alguém: mitologia grega, ufologia, dinossauros, aviões de caça, armas, futebol, NBA, videogame, artes marciais. Em todas elas eu fui vergonhosamente humilhado pela sabedoria infinita de algum amigo ou conhecido.

Mesmo depois de adulto, continuei falhando em ser especialista em mágica, jogos de computador, RPG e diversos outros temas. Eu lia sobre tudo, o tempo todo, e não era suficiente. Mas a culpa era um pouco minha. Eu enjoava rapidamente de dinossauros, e começava a estudar tudo o que encontrava sobre – por exemplo – mitologia nórdica. E este meu deslize abria espaço para alguém me tirar do trono de especialista em dinossauros. E assim eu cresci, lendo tudo o que encontrava sobre absolutamente tudo: dinossauros, pirâmides do Wgito, mágica, hipnose, ufologia, computadores, eletrônica, esportes radicais, ecossistemas, história, quadrinhos, literatura, artes plásticas, pôker, ocultismo, cinema, TV, não havia assunto que não me fizesse perder horas e horas lendo sobre ele ou gastar uma fortuna comprando livros caros a seu respeito.

Mas chegou um ponto que eu me resignei: nunca vou ser o maior especialista em nada, e todo o dinheiro e o tempo que investi para saber quase nada sobre quase tudo, foi em vão. Até que comecei a escrever profissionalmente, e descobri que aquilo tudo não só me podia ser útil, como também poderia me salvar. Não precisar pesquisar para escrever um roteiro sobre um assunto jurídico ou sobre a história do amor romântico desde a Idade Média. Poder escrever um roteiro onde o protagonista é um nerd viciado em games e em dinossauros sem ter que perder horas e horas pesquisando a diferença entre um Stegossauro e um Pteranodonte. Porque eu já sei a diferença! E foi aí que eu percebi que toda aquela bagagem de cultura “inútil”, advinda do meu sonho egoísta de ser o maior especialista do mundo em alguma coisa, é o meu maior diferencial como roteirista. Mas eu ainda não desisti: ouvi falar que o adestramento de canários para a caça de insetos é um tema obscuríssimo e já comprei três livros sobre o assunto. Não se pode desistir dos sonhos de infância.

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