Eu queria ser sua lembrança bonita

Eu sei, a memória recente não é minha aliada. Nas nossas últimas conversas, beirei a psicose. Justo eu, que por tanto tempo defendi que seguíssemos sendo dois, jurei que morreria sem a sua respiração. Implorei descontroladamente, escrevi cartas a próprio punho, poderia até ter exposto a dor que eu sentia numa galeria qualquer só pra que o mundo te detestasse. Enlouqueci.

Se ainda houver tempo – e sempre acho que há – te peço perdão. Não fiz jus a uma história tão leve. Não tive dignidade, não tive forças. Te culpei por uma infelicidade que foi o monstro da expectativa quem criou. Esse monstro engoliu minha autoestima, minha decência, meu senso de ridículo. Isso não é desculpa. É só um pedido de desculpas.

E, se não for pedir demais – talvez seja, vai – eu te peço pra ocupar na sua estante do passado um lugar de lembrança bonita. Não que eu seja melhor, ou que tenha te causado amor maior do que seus outros amores mais duradouros e intensos que nós. Por isso, não quero ser sua lembrança indescritível, seu sexo inenarrável, sua paixão avassaladora. Quero só ser uma lembrança bonita que mereça estar na memória, não ser apenas um álbum amarelado de momentos esquecidos.

Uma recordação leve como uma mensagem no meio de uma tarde difícil, um papo na madrugada sobre a intensidade da vida ou um samba de uma nota só. Como completar a palavra esquecida que completa tão bem o refrão. Como um abraço silencioso e duradouro, um carinho na ponta da orelha que estremece qualquer certeza.

Queria que você ouvisse João Gilberto cantando “o amor, o sorriso e a flor se transformam depressa demais” e sorrisse. Sorrisse porque sabe que eu adoro essa música, porque sabe que o amor metamorfoseou em lembrança bonita e a flor pode até ter virado só uma semente de novo. Mas o sorriso é sempre sorriso porque não há como não ser feliz por termos vivido aqueles dias de entrega.

Ou que você passasse pelo banco da praça onde me disse que não sabia como era possível que eu te amasse tanto e sentisse a brisa te dizer que talvez eu nem tenha te amado tanto quanto minhas palavras repetidas insistiam em falar, mas que foi delicioso passar duas horas no frio do inverno sentindo o maior calor do mundo.

Desejo que você não se negue a sentar na praia que escolhemos pra ser nossa, mesmo sabendo que no vai e vem do mar sobram amores dignos daquele pedaço do paraíso. Ela vai estar sempre ali e continua bonita, como a lembrança que eu gostaria de ser pra ti.

Eu queria ser pra você a certeza de que o passado valeu a pena. Não por ser eterno, não por ser melhor ou mais importante que o presente (até porque isso não faz sentido nem pra você nem pra mim). Mas porque nessas lembranças leves estão a certeza que estivemos lá. Inteiros, iguais, entregues. E há nisso uma beleza que nem o pior dos afastamentos deve apagar.

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