Bom mesmo é não ter inimigas

Dia desses, num daqueles nostálgicos cerrares de olhos em que paramos para pensar no quanto era mais fácil ser criança, lembrei-me da Tamara. Tamara foi minha colega de escola desde que aprendi a ler. Tamara era linda. Bem mais bonita do que eu. Era mais magra. Mais comportada. Tirava melhores notas. Tamara era amada pelos professores. Tamara tinha muitas canetas coloridas; eu apenas a BIC de quatro cores. Tamara não levava lancheira; ela tinha conta na cantina da escola. Tinha passe-livre para comprar o quisesse, quando bem entendesse. Tamara era independente. Eu era quase repetente.

A verdade é que Tamara nunca me fez nada. As fileiras eram organizadas por altura, que é a única coisa que eu sempre tive a mais que ela. Tamara sentava na segunda fileira; eu na penúltima. Nunca calhou de conversamos, brincarmos ou formarmos grupo para o trabalho de ciências. Só sei que eu não gostava de Tamara. Falava mal dela para os meninos. Que ela era chata, metida, mal humorada. Eu nunca entendi porque odiava Tamara.

Hoje eu entendo. Entendo que desde as primárias lições, nós, mulheres, somos inconscientemente doutrinadas a competir. Competir quem é a mais bonita, a mais comportada, a melhor dançarina, a mais desejada pelos garotos. E é por isso que eu não suportava o existir de Tamara. Eu nem sabia, mas vivia em competição com ela. E eu sempre perdia. Perder não é bom e por isso Tamara era minha inimiga.

Parei para refletir sobre o quanto essa competição é real e percebi que muitas vezes, nós, espectadores, não aceitamos a coexistência de duas mulheres igualmente poderosas que exerçam atividades similares. Por isso, acabamos assimilando que elas, pelo simples fato de coexistirem e fazerem a mesma coisa, são rivais e é preciso escolher um lado nessa competição. É o caso de Ivete e Claudinha, Anitta e Valesca, Madonna e Lady Gaga, Britney e Christina Aguilera, Taylor Swift e Katy Perry e tantas outras que eu poderia citar.

Para mim, o mais paradoxal de tudo isso é notar que essa competição (na maioria das vezes) só é estimulada entre mulheres. Em 1995 foi lançado um show no Brasil com as duplas Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo cantando em uníssono. Eram seis cantores sertanejos fazendo sucesso juntos e o nome do show era, pasmem: AMIGOS.

Ter inimigas está na moda. Quando me jogo no funk, brado desejos etílicos de vida longa às inimigas para que elas vejam a minha vitória e nem me dou conta de que vitória mesmo seria não ter inimigas. Eu rio de toda essa história. Ainda assim, quando chego em casa, sonho genuinamente com o dia em que o mundo não será mais dividido entre poderosas e recalcadas. Sonho com o dia em que meninas como eu e Tamara teremos consciência de que nossas qualidades particulares fazem com que ambas sejamos poderosas e por isso não há necessidade de competir. Nós precisamos mesmo é nos unir.

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