Aos pais e filhos que não conseguem dizer “eu te amo”

“As pessoas não te dão o que elas têm pra dar, nem o que elas querem dar, as pessoas te dão o que elas podem dar”.

Já ouvi esse mesmo pensamento em variadas fases da vida e eu gosto de ouvir coisas repetidas, mas ditas por locutores de diferentes contextos. Às vezes, a articulação da frase, o tom de voz ou a veemência no olhar, lapidam abruptamente a emissão, e de repente, aquilo passa a fazer todo sentido, mesmo parecendo um baita clichê, mesmo você estando enjoado de ouvir de novo.

Talvez o amor realmente esteja naquelas fotos felizes e também nas declarações que fazemos aos entes queridos em datas de aniversário. Todo um esforço para que a vida se pareça mesmo com a velha metáfora da família do comercial de margarina. Eu demorei muito tempo para entender que dizer “eu te amo” poderia ser algo tão vazio quanto a minha geladeira nas férias.

Não sei se acontece com vocês, mas aqui em casa, falar sobre sentimentos é algo um tanto esquisito, a gente convive todos os dias e esses momentos de “declarações e derretimentos” não acontecem quase nunca, talvez porque a realidade do cotidiano não permita um contexto poético para que essas pausas ensaiadinhas e inspiradinhas aconteçam. Já as brigas, de vez em quando rolam – nada mais normal. Eu sempre achei que isso fosse um problema, isso de achar meio mico falar de sentimentos com pai e mãe, de ter ouvido no máximo uma dúzia de vezes um “eu te amo” vindo deles em datas comemorativas e olhe lá.

Mas, depois de fazer 30, um pouco menos carente e mais maduro, fui chegando a uma otimista conclusão. Faltou a frase, mas nunca faltou amor. Como diz meu terapeuta, o amor é uma ação, e olhando por esse prisma, tudo foi clareando na minha mente. Meus pais são extremamente carinhosos, atentos, presentes, privilégio que tanta gente não tem e eu passei um bom tempo aqui me preocupando com a tal frase. O mais interessante é que na minha vida social essa frase é dita por mim com extrema facilidade, e eu não amo menos os meus pais porque em casa eu não aprendi a dizer isso toda hora. Nós somos algo diferente em cada lugar e essa química se define pela reunião de corpos que acontece nesse espaço de encontro. Tudo o que eu sou interfere no outro, mas tudo o que o outro é também interfere em mim, e isso resulta numa equação, num novo lugar, numa negociação em que a gente muda, altera e é alterado. Disso nasce um papel naquele grupo, naquele contexto e isso vale pro núcleo familiar.

Você pode investigar e tentar saber de onde vem essa trava que parece exclusiva do seu lar, saber por que é tão raro e econômico o uso dessa frase em casa e provavelmente vai descobrir duas possíveis hipóteses: ou essa “secura” e escassez pela frase “eu te amo” faz parte da identidade do individuo que é o seu pai ou a sua mãe, ou aquilo é uma característica da criação deles. Claro que a gente não se transforma numa cópia dos pais, mas agregamos diversas crenças vindas deles e não é saudável passar a vida os culpando por quem nos transformamos por motivos de “mau exemplo”.

O fato é que no nosso processo de individuação, muito do que a gente carrega da nossa criação, pode ser alterado. Você vai elaborando a sua ilha de personalidade: pode mudar de time, de sexo, de gosto, de partido político e escolher sua própria playlist. Não, não é fácil, a gente às vezes carrega crenças como se fossem uma dívida de criação, ou uma herança maldita, os tais valores ou a escolha da profissão. Mas um dia a gente descobre que é único, a gente descobre que não veio ao mundo para cumprir essa ou aquela expectativa do outro. É um exercício constante, eu mesmo vivo achando que não fiz algo significativo na vida pra justificar o fato dos meus pais terem resolvido ter um Eduardo. Mas hoje estou aprendendo a ter orgulho de quem eu sou, do que eu pude dar, e também me perdoar por tudo o que eu não sou. Ter também orgulho de quem eu escolhi não ser.

Mas, a grande pergunta é: se muitos de nós somos econômicos com “eu te amo” em casa e super generosos quando estamos na rua, qual a coerência disso quando a família é a coisa mais importante da vida? Deixo que uma frase de Paulo Mendes Campos responda por mim: “Sabedoria: perdoar o BEM e o mal que nos fazem”.

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4 comentários abaixo sobre Aos pais e filhos que não conseguem dizer “eu te amo”

  • Paula Lima disse:

    Tem filhos que tem vergonha de falar ” eu te amo pai ” e enquanto não tem vergonha de falar pra sua namorada ou amigo, tem filhos que tem vergonha de perdir a bênção dos pais ” meu pai fala: Que palavra linda, Deus te abençoe”…
    Ser abençoado pelos seus pais é uma onra posso dizer assim…
    Mais amor aqueles que nos quer bem!
    A vida é curta, então bora falar eu te amo eu te amo ..

  • Nicolas disse:

    Muito obrigado pelo texto, amei a escrita, as dicas e até mesmo a reflexão.
    Tenho 19 anos, tenho dificuldade de dizer “eu te amo” pra tudo e pra todos, só tenho a agradecer pelo post, obrigado.

  • Kelly disse:

    Nossa… eu amo muito meus pais de verdade, as vez quando imagino que um dia posso ficar sem eles, começo logo a chorar, tenho 20 anos e ultimamente vivo me perguntando: qual o sentido da vida?, porque eu vivo?, pode parecer idiotisse, mas é como me sinto. Eu tenho dificuldade de falar sobre meus sentimentos e de dizer Te amo, é como se fosse uma coisa que me trava e eu não consigo falar, eu demostro com minhas atitudes, mas acredito que não é o suficiente, as vezes acho que sou injusta com meu pai, que não mostro tanto que o amo, tento mudar esse meu jeito fechado mas não consigo.tento não ser muito dura comigo e dizer pra mim mesmo que estou crescendo e que é normal as vezes me sentir perdida e que não nasci sabendo ser filha, mas quando paro pra pensar que meu pai não nasceu sabendo ser pai e que sofreu muito pra me criar e que pra ele não existe mais futuro, segundo ele o futuro dele sou eu e que possa ser que eu não consiga mudar a vida dele, me sinto uma idiota por não ser a filha que ele merece e as vezes ver o que pai sofre em alguns momentos me doe, me doe muito.

    • Jéssica Reis Santos disse:

      Olá Boua noite acordei agora 5:30 da manhã do nada e nisso fiquei pensando e pra me alivia conversei com Deus e pesquisei na internet para tentar entender o porque fico assim com meus pais eu amo muito eles eu sei a vida que tiveram e que tem o que fizeram quando eu era criança meu pai trabalhou muito ele chegava em casa e eu ficava muito feliz fazia meu Toddy na mamadeira até hj eu queria volta esse tempo,mas minha mãe tem confusão e isso meche com a cabeça dela eu ajudo muito em casa,mas antes eu sentia os carinhos que eles me devam por atitudes e por tatos também até hoje na verdade eu não consigo ter uma conversa inteligente direito com eles me trava me sinto muito pequena me sinto “burra” agora fora de casa aconcelho até um drogado eu falo te amo para o meu namorado mas para minha mãe e meu pai não,eu falo mas não todos os dias,meu namorado falo quase a todo o momento,mas vou fala com meu pai ontem ele estava falando do passado dele e meu tio que ta enternado falou e se mudou para cá muito novo ele me deu um exemplo como eu fosse mora em outro país sem conhecer ninguém e ainda ter a presença de acompanhante que era o irmão e ainda um alcoólatra.foi muito difícil tenho certeza mas ele é um guerreiro minha mãe também é tomando esses remédios fortes e o que ela viveu também que eu não sei o que mais…
      mas nois temos que vencer um dia por vez e que vence isso!porque o tempo passa…