Achava que borboletas no estômago era coisa de filme

Ao final da tarde, ele decidiu. Não podia mais esperar. Faltava só mais um dia para o recesso de final de ano e aquela história já tinha ido longe demais. Tinha que ser hoje, afinal, perto do Natal é quando as pessoas tomam coragem e dizem o que sente, certo?

Ela estava ainda mais bonita em frente à máquina de xerox. Perto dela, ele não parecia ninguém, apenas mais um cara sem importância. Não era alto demais, nem baixo ou magro ou gordo demais. Ele não era nada demais. Nunca foi o melhor nem o pior em nada. Estava sempre ali no meio termo. Ele nunca foi bonito, mas também não chegava a ser feio. Era comum. Gostava de pensar que era uma lagartixa, podia ficar por horas em uma sala sem ser percebido até que, ao mínimo movimento, alguém finalmente se assustava com sua presença sem nem ao menos perceber que ele sempre esteve ali.

Já era quase seis da tarde e o escritório estava vazio. Também não tinha importância, ele estava extremamente decidido a contar toda a verdade para ela hoje. Eles já estavam juntos há seis anos. Pelo menos na sua imaginação. Ele lembrava muito bem do dia em que a viu pela primeira vez: a nova estagiária da empresa parada na frente da máquina de xerox. Hoje, ele tinha tanto para dizer, mas não sabia exatamente quais palavras usar. Conseguiu pensar em três e seriam o suficiente.

Ao fitar os enormes olhos castanhos dela, ele expirou todo o ar para fora do corpo levando embora, sem querer, também sua coragem. Quando se aproximou dela, percebeu que aquelas seriam as três palavras mais difíceis de sua vida. Até que finalmente começou:

“É, eu queria dizer… eu não sei exatamente o que isso quer dizer, mas eu preciso dizer… Faz um tempo. Nem tanto tempo assim. Eu só preciso que você saiba… não, não é isso. Não é bem um precisar…. Eu nem preciso de nada de você… Sabe…. eu nem sei se você vai entender o que vou dizer… É insuportável, eu não consigo mais trabalhar aqui com você! Desculpa, não foi isso que eu quis dizer. Não é que eu não suporte você… Nada disso. Longe disso. Não, trabalhando com você sem você saber… Saber o que acontece… com você… Quer dizer… comigo…. Quando nós… Nós? Não “nós” tipo você e eu juntos… É, mais tipo você… Não, eu e você… Só tipo você…. e dai eu… sozinho… com você… ah, deixa pra lá”

E ele virou as costas e saiu.

Ela ficou com seu olhar vidrado no dele. E depois de ouvir tamanha confusão, suas bochechas coraram e ela apenas sorriu. Seria aquele sentimento que ela cultivava tão timidamente por ele reciproco? O que ele tentava dizer? Podia ser “aquilo”…? Nem conseguia pensar naquela palavra com “a”. Achava que borboletas no estômago eram coisa de filme, mas ali estavam os terríveis insetos bagunçando seu interior.

Ela conteve o sorriso, o puxou pela gravata desalinhada e avançou a beija-lo. E até hoje ela pode jurar que o escutou sussurrar bem baixo “eu te amo” apesar de ele nunca ter dito mais nada.

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