A sorte de um amor tranquilo. Bom, nem sempre.

por Léo Luz

“Um sujeito parado, sozinho, numa esquina, numa noite de chuva e com aspecto feliz. Ou é maluco, ou está apaixonado”. Não me lembro bem de quem é essa frase, mas é sem dúvida uma dessas verdades absolutas, assim como o hidrogênio e a burrice. É, essa frase também não é minha, aliás. Originalidade é a arte de saber esconder as fontes e essa frase também não é minha. Mas vamos ao que interessa, o assunto da frase inicial. O que as pessoas mudam quando estão apaixonadas é uma grandeza! O cabra fica simpático, bem humorado, mais calmo, anda na rua rindo sozinho, e tem até quem fique inteligente e passe a gostar de pagode e ler Paulo Coelho.

Qualquer coisa é motivo pra ficar feliz: se tá sol e de repente começa a chover, e você tá de camisa branca, pasta cheia de papel e sem guarda chuva, você logo levanta a cabeça, olha pro horizonte e fica pensando em o quanto a natureza é bela e imprevisível. Há uma semana atrás você ia estar mandando a natureza pra puta que pariu, por que sempre chove quando você tá sem guarda chuva. Passa um carro em cima de uma poça e te ensopa todo, e você, ao invés de procurar uma pedra e arrebentar o vidro do desgraçado, suspira, sorri e sai chutando a água, se achando o próprio Gene Kelly. No dia anterior você foi dormir às cinco da madrugada trabalhando, e agora, às oito da manhã, toca o diabo do telefone e, ao invés de quebrar o maldito aparelho, arrebentar a tomada e mandar o infeliz pros quintos dos infernos, você atende o sujeito que quer te vender enciclopédia às oito da manhã como se fosse seu amigo de infância, e quando ele lhe dá bom dia, você – que em sã consciência ia fingir que ia comprar o curso só pra encontrar com ele e quebrar a cara dele -, responde prontamente: “É, está um ótimo dia! Não poderia estar melhor!”, compra uma coleção de enciclopédias e ainda indica mais dez amigos que estariam interessadíssimos em comprar uma enciclopédia bíblica às oito da manhã de um sábado de sol. E ainda lhe deseja muito boa sorte e que ele tenha um ótimo dia. E não que ele tenha hemorroidas e precise ficar sentado no concreto quente o dia inteiro.

Você não liga pra pisão no pé, empurrão no ônibus nem gente furando fila. Afinal, a vida é tão boa pra ficar se preocupando com essas banalidades. Você senta no ônibus e começa a cantarolar sozinho, sorrindo e batucando no banco da frente. Você escuta uma música numa boate, e se une ao coro dos que cantam com os dedinhos levantados e olhos fechados. O viado do motoqueiro quebra o seu retrovisor e você nem xinga nem vai atrás dele. Nada te aborrece. Hora extra, vizinho barulhento, o Itaú te cobrando, nada! Nada consegue te tirar do sério. Nada te irrita. Você é o próprio Dalai Lama depois de comer um prato de mingau quentinho. Nada te aborrece.

E é assim que eu estou há oficialmente um mês. Nada me aborrece. Nada. Quase nada. Pouca coisa. Só a Claro, o trânsito, o babaca da petshop, a vaca da gerente do meu banco, as pessoas que andam devagar na porra da calçada, o filho da puta que para o carro torto no meu prédio ocupando duas vagas e de vez em quando um viado arrombado que cisma de pagar todas as contas dos últimos três anos logo na minha vez do caixa eletrônico. Obrigado por me transformar quase em um monge. Ah, se você ficar demorando pra responder as minhas mensagens, fique sabendo que monges também podem ser bem violentos.

Comentar sobre A sorte de um amor tranquilo. Bom, nem sempre.