A garota cocaína

Desde a primeira vez que botei meus olhos em você – sem nenhuma pretensão que os teus iriam se cruzar com os meus –, decidi apelidá-la de cocaína. Você nunca soube disso (e nunca saberá), mas cada vez que o teu nome surge em alguma conversa, mesmo que por alguma coincidência de batismo, o apelido bate na minha imaginação como um letreiro charmoso de neon.

Da mesma forma que nunca usei o pó branco, nunca te usei. Mas usar é uma palavra agressiva demais, não é? Mudemos isso: nunca me entorpeci – nem com a coca, nem contigo. Já vi outros cheirarem a poeira e sei de outros que te aspiraram por inteira, e o motivo da minha eterna abstinência de algo que nunca tive é justamente esse: sei que a dependência é inevitável. Não te culpo de nada: diversas outras pessoas também têm a benção e a sina de serem viciantes. Não é treinado nem calculado: simplesmente acontece.

Diferente da branquinha que o Eric Clapton tanto cantou durante sua vida, você não é tão acessível assim – e, ironicamente, isso causa uma das viagens da droguinha: egocentrismo. Afinal de contas, nós dois já cansamos de aprender com o malandro do Oscar Wilde que tudo no mundo é sobre sexo, exceto sexo: sexo é sobre poder. E não estamos falando do verbo (e olha que eu adoraria poder vencer essa disputa de poder).

A parte ruim é que, como já cantavam Vinicius e Toquinho, a vida é uma grande ilusão e nós sabemos que tudo isso não passa de uma good trip com data de validade, daquelas que batem na cabeça e dá disritmia – que me lembra do Martinho da Vila na canção homônima, mas eu nunca vou poder me embrenhar no emaranhado desses teus cabelos porque você teima em prendê-los sempre.

Me perdi – na confissão, na música, no vinho e na lembrança das tuas curvas –, mas não tem problema. O que vale, no final, é a viagem. Em todos os sentidos.

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